quinta-feira, 22 de novembro de 2012

DEUS E A CIÊNCIA NO CINEMA


DEUS E A CIÊNCIA NO CINEMA
Profa. Dra. Fernanda Ribeiro Queiroz de Oliveira

E fez-se o mundo - a grande discussão está na autoria. Se a simbolização dos mitos, se a ciência. Está aqui um campo de batalha cheio de contendores e nenhum vencedor absoluto. A única certeza é que o ser humano se faz no mundo pela linguagem, pela construção de instrumentos que lhe permitam se apropriar das realidades por ele mesmo construídas. Questões humanas essenciais como vida, morte, o próprio, o alheio, a natureza, o corpo não se isentarão nem do culto e nem do laboratório. As abordagens é que vão se diferenciar.
A explicação mítica do mundo, a crença e/ou estabelecimento de deuses, criaturas, seres híbridos são uma verdade simbólica, representativa do espraiamento do homem sobre o mundo, uma extensão de seus dilemas internos. A ciência diz que os homens são os pais dos deuses, as convicções religiosas afirmam que somos filhos. Não dá para fugir dessa família problemática. Tiamá, Apsu, Grande Serpente, Ishtar, Chronos, ìsis, Hórus, Set,Jesus Cristo, Alá, Buda, Maomé, Yin, Yang, Deus-Sol, Tupã, Oxalá, inúmeras narrativas, personagens ou não, emergem como os grandes regentes do universo e do destino da vida e da morte. E os rituais são importantes para a presentificação do momento criador absoluto, da permanência de todos os tempos, da contenção da história para que os deuses permaneçam e se atualizem, que se concretizem na experiência de seus adoradores, que os energizem, que os fortaleçam, que os punam, que os elevem ou humilhem. Esqueça os maniqueísmos do bem versus mal, a história das religiões apresenta uma palheta muito mais colorida de variações e nuances. Todavia, o cristianismo foi a corrente que inseriu o tempo mítico na história. Os tempos imemoriais, transcendentes, de outra dimensão, se historicizaram, marcaram datas, estabeleceram um movimento medido em anos. E começa a busca.
Se há um deus inserido na história e não apenas no campo mítico-simbólico, surge a necessidade de comprová-lo, encontrá-lo, farejar suas pegadas, suas evidências arqueológicas. Não existe uma perseguição maior que ao corpo de Cristo, o santo sudário, as narrativas apócrifas... ao que se apoia na fé, a fé é a evidência.
A ciência, apesar de ser também calcada em símbolos que pretendem o absoluto, ainda assim é simbólica, é narrativa e busca evidências, coisas, objetos, recriar, experimentar, reestruturar, precisa de provas concretas ou tudo não passará de hipóteses mal estabelecidas. Se Deus amplia, a ciência disseca. Se Deus constrói o mundo, o cientista o reconstrói. A tensão se estabelece, partidários se posicionam, o inferno nasce, a guerra surge. Aqui, o homem, o acaso, o lance de dados, são os únicos responsáveis pela criação. São as forças da física, química, matemática, naturais ou impulsionadas pela criação feita pelo homem que fazem a roda da vida girar. Nenhum espírito, nenhuma alma, matéria, energia, forças.
Deus e a Ciência separam-se como as míticas águas do mar vermelho – juntas, separam-se – separadas, juntam-se. Há diálogos, há ciência buscando comprovar os “efeitos” da religião, há religião louvando a capacidade humana de interferir no corpo humano. Ninguém está imune ao processo científico questionador, balizado na dúvida, ninguém escapa da “fé” em algo que ainda não pode ser concretamente comprovado, mas que se intui como verdade. E o bóson de higgs? Bilhões gastos para se comprovar a existência dA partícula geradora. Esse é um terreno muito produtivo para embates, conciliações, derrubadas, mudanças de paradigmas.
E o cinema? Como toda forma de expressão humana, está eivado de processos simbólicos, ideológicos, culturais e é uma forma peculiar de arte em que a tecnologia, desenvolvida pela ciência, torna-se peça fundamental de sua constituição. Como experienciar um filme sem energia, aparelhagem, espaço para tanto? Apesar de uma boa história ser o elemento primordial de qualquer obra cinematográfica, as possibilidades técnicas colocadas constantemente à disposição da indústria cinematográfica, quando fundidas ao processo narrativo, rendem excelentes contribuições.
Os dramas humanos, contáveis nos dedos das mãos e infinitamente múltiplos em suas variações, são o mote principal da arte, mesmo a cômica. E uma das abordagens mais recorrentes das tramas contemporâneas é o embate entre a tecnologia criada pelo homem e o homem. Em uma megalomania que beira ao desejo da divindade, a raça humana coloca-se um medo só concretizável se for ela capaz de superar o Deus criador ou o Big Bang, de constituir uma criatura mais perfeita e capaz que ela mesma. Serão os robôs ou a robotização os grandes colonizadores dos tempos futuros? Será a maciça quantidade de humanos rejeitada pelo sistema os novos ratos do higiênico trabalho do metal?
Surgem dois grandes tipos em meio a esse conflito - o cientista herói e o herói primitivo. O primeiro, dono de um conhecimento só acessível a poucos é capaz de interferir, construir e controlar máquinas e salva o dia vencendo as criaturas do homem, manipulando-as a seu favor, O outro é um cara forte, atlético, truculento, que, apesar de não entender muito do universo “nerd”, é destemido, de uma nobreza que só se revela nos momentos de alta tensão e, messianicamente, salva a humanidade de uma extinção certa. São dois caracteres que retratam o instinto e o controle, a força natural e a construída.
Em várias mitologias, o artífice, o mecânico, o engenheiro, são malditos. Hefesto, o grande deus capaz de construir armas e qualquer outro mecanismo, é manco, ridicularizado pelos seus pares. As teogonias cristãs focadas no fim do mundo alertam que um dos sinais do apocalipse é o grande avanço tecnológico. E o cinema alimenta-se de toda essa dinâmica. Pressente o medo e o fascínio humano pela própria capacidade de produzir coisas. E Deus e a Ciência estarão sempre em movimento nas artes, seja pela negação, pela integração, pela contribuição, pela divergência.
Em nossa sociedade tecnocrata, há uma valorização do conhecimento de laboratório em detrimento do conhecimento popular, considerado menos complexo, mais primitivo, menos sofisticado. Um cientista que acredita em Deus é quase uma heresia nos meios acadêmicos. Assim como o agnóstico prenuncia terror nos meios religiosos. Extremistas os há em todo meio, em toda parte. E há que se considerar que a negação absoluta não constrói, é cega, surda e muda. Ouvir o outro é um mecanismo de afirmação. A ciência toda poderosa curvando-se ao que os seus sentidos não alcançam, a religião compreendendo que o fazer humano pode ser também derivação das ações divinas.
Há alguns sinais de nosso imaginário apontando para a busca das raízes, da conciliação da máquina com o imensurável. Psiquiatras estudando os efeitos da fé, por exemplo. A história comprova que os ciclos são ininterruptos e o homem moderno, em sua angústia burocrata-existencial, começa a rever suas ancestralidades e reconectá-las, começa, ainda muito timidamente, a entender que a saga humana sobre a terra não vem medida em um arquivo .pdf de fácil download pela rede. E que a deusa internet não tem todas as respostas, nem a medicina a cura para todas as dores e nem os textos sagrados condensam em si todas as possibilidades de compreensão.

Sugestões:
  • O VENTO SERÁ TUA HERANÇA
  • O ÓLEO DE LORENZO
  • GATTACA
  • O QUARTETO FANTÁSTICO
  • O QUARTETO FANTÁSTICO E O SURFISTA PRATEADO
  • TRILOGIA MATRIX
  • HEXALOGIA STAR WARS
  • GIGANTES DE AÇO
  • EU, ROBÔ
  • JOGOS DE GUERRA
  • MAD MAX
  • WALL-E
  • O HOMEM DE FERRO
  • DURO DE MATAR 4.0
  • AVATAR
  • MISSÃO MARTE
  • SOLARIUM
  • INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
  • O VINGADOR DO FUTURO

Um comentário:

  1. Um texto excelente como este tem que ser compartilhado com todos os seu méritos e créditos.

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