DEUS
E A CIÊNCIA NO CINEMA
Profa. Dra. Fernanda Ribeiro Queiroz de Oliveira
E
fez-se o mundo - a grande discussão está na autoria. Se a
simbolização dos mitos, se a ciência. Está aqui um campo de
batalha cheio de contendores e nenhum vencedor absoluto. A única
certeza é que o ser humano se faz no mundo pela linguagem, pela
construção de instrumentos que lhe permitam se apropriar das
realidades por ele mesmo construídas. Questões humanas essenciais
como vida, morte, o próprio, o alheio, a natureza, o corpo não se
isentarão nem do culto e nem do laboratório. As abordagens é que
vão se diferenciar.
A
explicação mítica do mundo, a crença e/ou estabelecimento de
deuses, criaturas, seres híbridos são uma verdade simbólica,
representativa do espraiamento do homem sobre o mundo, uma extensão
de seus dilemas internos. A ciência diz que os homens são os pais
dos deuses, as convicções religiosas afirmam que somos filhos. Não
dá para fugir dessa família problemática. Tiamá, Apsu, Grande
Serpente, Ishtar, Chronos, ìsis, Hórus, Set,Jesus Cristo, Alá,
Buda, Maomé, Yin, Yang, Deus-Sol, Tupã, Oxalá, inúmeras
narrativas, personagens ou não, emergem como os grandes regentes do
universo e do destino da vida e da morte. E os rituais são
importantes para a presentificação do momento criador absoluto, da
permanência de todos os tempos, da contenção da história para que
os deuses permaneçam e se atualizem, que se concretizem na
experiência de seus adoradores, que os energizem, que os fortaleçam,
que os punam, que os elevem ou humilhem. Esqueça os maniqueísmos do
bem versus mal, a história das religiões apresenta uma palheta
muito mais colorida de variações e nuances. Todavia, o cristianismo
foi a corrente que inseriu o tempo mítico na história. Os tempos
imemoriais, transcendentes, de outra dimensão, se historicizaram,
marcaram datas, estabeleceram um movimento medido em anos. E começa
a busca.
Se
há um deus inserido na história e não apenas no campo
mítico-simbólico, surge a necessidade de comprová-lo, encontrá-lo,
farejar suas pegadas, suas evidências arqueológicas. Não existe
uma perseguição maior que ao corpo de Cristo, o santo sudário, as
narrativas apócrifas... ao que se apoia na fé, a fé é a
evidência.
A
ciência, apesar de ser também calcada em símbolos que pretendem o
absoluto, ainda assim é simbólica, é narrativa e busca evidências,
coisas, objetos, recriar, experimentar, reestruturar, precisa de
provas concretas ou tudo não passará de hipóteses mal
estabelecidas. Se Deus amplia, a ciência disseca. Se Deus constrói
o mundo, o cientista o reconstrói. A tensão se estabelece,
partidários se posicionam, o inferno nasce, a guerra surge. Aqui, o
homem, o acaso, o lance de dados, são os únicos responsáveis pela
criação. São as forças da física, química, matemática,
naturais ou impulsionadas pela criação feita pelo homem que fazem a
roda da vida girar. Nenhum espírito, nenhuma alma, matéria,
energia, forças.
Deus
e a Ciência separam-se como as míticas águas do mar vermelho –
juntas, separam-se – separadas, juntam-se. Há diálogos, há
ciência buscando comprovar os “efeitos” da religião, há
religião louvando a capacidade humana de interferir no corpo humano.
Ninguém está imune ao processo científico questionador, balizado
na dúvida, ninguém escapa da “fé” em algo que ainda não pode
ser concretamente comprovado, mas que se intui como verdade. E o
bóson de higgs? Bilhões gastos para se comprovar a existência dA
partícula geradora. Esse é um terreno muito produtivo para embates,
conciliações, derrubadas, mudanças de paradigmas.
E o
cinema? Como toda forma de expressão humana, está eivado de
processos simbólicos, ideológicos, culturais e é uma forma
peculiar de arte em que a tecnologia, desenvolvida pela ciência,
torna-se peça fundamental de sua constituição. Como experienciar
um filme sem energia, aparelhagem, espaço para tanto? Apesar de uma
boa história ser o elemento primordial de qualquer obra
cinematográfica, as possibilidades técnicas colocadas
constantemente à disposição da indústria cinematográfica, quando
fundidas ao processo narrativo, rendem excelentes contribuições.
Os
dramas humanos, contáveis nos dedos das mãos e infinitamente
múltiplos em suas variações, são o mote principal da arte, mesmo
a cômica. E uma das abordagens mais recorrentes das tramas
contemporâneas é o embate entre a tecnologia criada pelo homem e o
homem. Em uma megalomania que beira ao desejo da divindade, a raça
humana coloca-se um medo só concretizável se for ela capaz de
superar o Deus criador ou o Big Bang, de constituir uma criatura mais
perfeita e capaz que ela mesma. Serão os robôs ou a robotização
os grandes colonizadores dos tempos futuros? Será a maciça
quantidade de humanos rejeitada pelo sistema os novos ratos do
higiênico trabalho do metal?
Surgem
dois grandes tipos em meio a esse conflito - o cientista herói e o
herói primitivo. O primeiro, dono de um conhecimento só acessível
a poucos é capaz de interferir, construir e controlar máquinas e
salva o dia vencendo as criaturas do homem, manipulando-as a seu
favor, O outro é um cara forte, atlético, truculento, que, apesar
de não entender muito do universo “nerd”, é destemido, de uma
nobreza que só se revela nos momentos de alta tensão e,
messianicamente, salva a humanidade de uma extinção certa. São
dois caracteres que retratam o instinto e o controle, a força
natural e a construída.
Em
várias mitologias, o artífice, o mecânico, o engenheiro, são
malditos. Hefesto, o grande deus capaz de construir armas e qualquer
outro mecanismo, é manco, ridicularizado pelos seus pares. As
teogonias cristãs focadas no fim do mundo alertam que um dos sinais
do apocalipse é o grande avanço tecnológico. E o cinema
alimenta-se de toda essa dinâmica. Pressente o medo e o fascínio
humano pela própria capacidade de produzir coisas. E Deus e a
Ciência estarão sempre em movimento nas artes, seja pela negação,
pela integração, pela contribuição, pela divergência.
Em
nossa sociedade tecnocrata, há uma valorização do conhecimento de
laboratório em detrimento do conhecimento popular, considerado menos
complexo, mais primitivo, menos sofisticado. Um cientista que
acredita em Deus é quase uma heresia nos meios acadêmicos. Assim
como o agnóstico prenuncia terror nos meios religiosos. Extremistas
os há em todo meio, em toda parte. E há que se considerar que a
negação absoluta não constrói, é cega, surda e muda. Ouvir o
outro é um mecanismo de afirmação. A ciência toda poderosa
curvando-se ao que os seus sentidos não alcançam, a religião
compreendendo que o fazer humano pode ser também derivação das
ações divinas.
Há
alguns sinais de nosso imaginário apontando para a busca das raízes,
da conciliação da máquina com o imensurável. Psiquiatras
estudando os efeitos da fé, por exemplo. A história comprova que os
ciclos são ininterruptos e o homem moderno, em sua angústia
burocrata-existencial, começa a rever suas ancestralidades e
reconectá-las, começa, ainda muito timidamente, a entender que a
saga humana sobre a terra não vem medida em um arquivo .pdf de fácil
download pela rede. E que a deusa internet não tem todas as
respostas, nem a medicina a cura para todas as dores e nem os textos
sagrados condensam em si todas as possibilidades de compreensão.
Sugestões:
- O VENTO SERÁ TUA HERANÇA
- O ÓLEO DE LORENZO
- GATTACA
- O QUARTETO FANTÁSTICO
- O QUARTETO FANTÁSTICO E O SURFISTA PRATEADO
- TRILOGIA MATRIX
- HEXALOGIA STAR WARS
- GIGANTES DE AÇO
- EU, ROBÔ
- JOGOS DE GUERRA
- MAD MAX
- WALL-E
- O HOMEM DE FERRO
- DURO DE MATAR 4.0
- AVATAR
- MISSÃO MARTE
- SOLARIUM
- INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
- O VINGADOR DO FUTURO
Um texto excelente como este tem que ser compartilhado com todos os seu méritos e créditos.
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